quinta-feira, 22 de março de 2018

SERMÃO DA POBREZA - MESTRE ECKHART



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I – VIDA DE MESTRE ECKHART

Mestre Eckhart terá nascido no ano de 1260 na aldeia de Tambach, Turíngia, e falecido em 1328 na cidade de Colónia.
Frade dominicano notabilizou-se enquanto teólogo, filósofo e talvez místico. Os seus sermões ficaram conhecidos pela manifesta eloquência. Pensador muito influente na Idade Média, inspirou gerações de teólogos, filósofos e místicos, nomeadamente Santa Teresa de Ávila e S. João da Cruz. 
Pouco se sabe quanto às suas origens. Provavelmente de origem nobre, a família seria proprietária de terras, como era comum na época.
Frequentou a Universidade de Paris.
Fez-se dominicano em Erfurt, tendo sido Provincial da Turíngia.
No ano de 1300 foi enviado para Paris, em cuja universidade proferiu palestras e onde veio a obter a sua graduação académica, obtendo o título de mestre. Esteve nessa cidade durante três anos.
Foi julgado pela Inquisição, mas faleceu antes de ser sentenciado. No entanto, aceitou repudiar os “argumentos” que faziam dele herético aos olhos do tribunal. Apesar da sua defesa, o Papa João XXII excomungou-o por Bula de 1329. 
A sua obra foi difundida por vários seguidores, destacando-se Henrique Suso e Johann Tauler.

O Sermão n.º 52 de Eckhart, conhecido como Sermão da Pobreza, é incontestavelmente um dos seus sermões mais importantes, senão o mais importante. De leitura quase obrigatória para teólogos, filósofos, místicos e religiosos de todos os credos.
Como veremos nos comentários, o Sermão da Pobreza aproxima-se do Budismo Zen, do Vedanta, e do próprio Sufismo. Há nele um constante apelo ao desapego total. 
Por outro lado, tudo parece indicar que a sua doutrina foi influenciada pela de Marguerite Porete, mística e autora do livro O Espelho das Almas Simples e Aniquiladas, dado à estampa por volta do ano de 1290. 
Marguerite, de quem voltaremos a falar nos comentários, nasceu entre 1250 e 1260 em França, foi queimada viva em Paris no dia 1 de Junho de 1310, por obra do Santo Ofício da Inquisição, e Eckhart conheceria o seu livro, retomando neste sermão afirmações essenciais que aperfeiçoou no seu conteúdo teológico.
Será interessante anotar, que Eckhart tal como Marguerite, advertem o leitor da dificuldade de compreensão quer do livro quer do sermão. 

***

Segundo Eckhart, a forma mais pujante de orar é a que deriva de uma mente desocupada.
Quanto mais desimpedida estiver a mente, mais poderosa, vantajosa e irrepreensível será a oração. 
O que é uma mente desocupada?
É a que não é abalada nem modificada por nada, que não se apegou a qualquer modo particular de vida ou de devoção, e que não busca o seu próprio bem em nada, mas que está totalmente imersa na valiosíssima vontade de Deus, mente que saiu daquilo que lhe é próprio.
Não há nenhuma obra que homens e mulheres possam executar que não extraia daí o seu poder e a sua força.

Esta oração de mestre Eckhart reflete o que acima foi dito:
“Senhor, não me dês nada, excepto o que tu quiseres, e faz Senhor, o que quiseres e do modo como quiseres.”




II – SERMÃO DA POBREZA

A beatitude abriu a sua boca de sabedoria e disse: «Bem-aventurados são os pobres em espírito porque deles é o reino dos céus». Todos os anjos e todos os santos, e tudo o que alguma vez nasceu deverão fazer silêncio, quando a sabedoria eterna do Pai fala, porque toda a sabedoria dos anjos e de todas as criaturas, é uma pura loucura, um puro nada face à sabedoria insondável de Deus. Sabedoria que disse serem os pobres bem-aventurados.
Existem duas espécies de pobreza. Uma é a pobreza exterior, que é boa e é muito louvável no ser humano que a pratica voluntariamente por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, porque Ele mesmo a praticou sobre a terra. Desta pobreza, por agora, não falarei mais. No entanto, existe ainda uma outra pobreza, uma pobreza interior, que pode ser entendida nas palavras de Nosso Senhor quando Ele diz: «Bem-aventurados são os pobres em espírito.»
Peço-vos para que sejais deste modo pobres para que possais compreender este sermão. Digo-vos pela eterna verdade: se não vos vierdes a igualar a esta verdade, da qual iremos falar, então nunca me podereis perceber. 
Algumas pessoas perguntaram-me o que é a pobreza em si própria e o que é um homem pobre. Nós queremos responder a isso.
O bispo Alberto ensinou que um ser humano pobre é aquele que não encontra qualquer tipo de satisfação em nenhuma das coisas criadas por Deus, e isso está correcto. Mas nós iremos dizê-lo ainda melhor, e consideraremos a pobreza segundo um sentido ainda mais elevado: um homem pobre é aquele que não quer nada, que não sabe nada, e que não tem nada. Iremos falar destes três pontos, e peço-vos por amor de Deus que compreendam esta verdade, e que a compreendam se puderem; se a não compreenderem, não se desassosseguem, já que vos quero falar de uma tal verdade que poucas pessoas boas a poderão entender. 
Em primeiro lugar nós dizemos que é pobre o homem que nada quer. Algumas pessoas não entendem bem este sentido; são as que se agarram ao seu eu subjectivo exercitando a penitência e exercícios exteriores, os quais julgam ser muito importantes. Que Deus tenha piedade delas por terem um tão débil conhecimento da verdade divina. Estas pessoas são tidas por santas com base na aparência exterior, mas interiormente são asnos, por não atingirem o autêntico sentido da verdade divina. Estas pessoas também dizem que um homem pobre é aquele que nada quer. Mas elas interpretam-no no sentido de que o homem deve viver sem nunca realizar em nada a sua própria vontade, e que deveria antes ambicionar a realização da muito amada vontade de Deus. Essas pessoas estão certas, porque a opinião delas é boa e nós as louvaremos. Que Deus na sua misericórdia lhes dê o reino dos céus. Mas eu asseguro, pela verdade divina, que estas pessoas não são verdadeiramente pessoas pobres, nem semelhantes a pessoas pobres. Elas são tidas em grande consideração aos olhos das multidões que não sabem nada de melhor. Mas eu digo que são asnos que não entendem nada da verdade divina. Elas podem alcançar o reino dos céus por via das suas boas intenções, mas da pobreza, da qual nós queremos agora falar, não sabem nada. 
Se me perguntassem agora o que é um homem pobre, que nada quer, eu responderia: todo o tempo em que o homem tem como sua vontade a de querer realizar a muito amada vontade de Deus, então um tal homem não possui a pobreza da qual nós queremos falar, porque este homem ainda tem uma vontade, pela qual ele quer satisfazer a vontade de Deus, e essa não é a verdadeira pobreza. Porque, se o homem quiser ser verdadeiramente pobre, ele deve estar tão desprendido da sua vontade criada, como quando ele era, quando ainda não era. Porque eu digo-vos pela verdade eterna: enquanto tiverdes a vontade de realizar a vontade de Deus, e tiverdes uma ânsia de eternidade e de Deus, não sereis autenticamente pobres. Porque um homem só é pobre, quando nada quer e nada ambiciona.
Quando eu estava ainda na minha primeira causa, eu não tinha Deus, e eu era a causa de mim próprio. Eu não queria nada, eu não desejava nada, porque eu era um ser livre e conhecia-me a mim mesmo na fruição da verdade. Eu queria-me a mim mesmo e não queria nada mais; aquilo que eu queria, eu era-o, e aquilo que eu era, eu queria-o e aqui eu estava desprendido de Deus e de todas as coisas. Mas quando, pela minha livre vontade, eu saí e recebi o meu ser criado, então eu passei a ter um Deus, porque antes de as criaturas serem, Deus ainda não era Deus. Ele era, pelo contrário, aquilo que Ele era. Mas quando as criaturas nasceram e receberam o seu ser criado, Deus não era mais Deus em si próprio, passando a ser Deus nas criaturas. 
Ora nós dizemos que Deus, enquanto Ele é Deus, não é o fim supremo da criatura, pois a mais pequena das criaturas tem um grau muito elevado de ser em Deus. E se fosse possível que uma mosca tivesse um intelecto, e fosse capaz de procurar intelectualmente o abismo eterno do ser divino de onde ela saiu, então nós diríamos que Deus, com tudo aquilo que Ele é enquanto Deus, não poderia dar a esta mosca plenitude e satisfação. É por isso que nós pedimos a Deus para nos tornarmos desprendidos de Deus, e que alcancemos a verdade e a desfrutemos eternamente lá, onde os anjos mais elevados e a mosca e a alma são iguais, lá onde eu estava, onde eu queria aquilo que eu era, e era aquilo que eu queria. Nós dizemos portanto: se o homem deve ser pobre em vontade, então ele deverá querer e desejar tão pouco como ele queria e desejava quando ele ainda não era. Deste modo é pobre o homem que não quer nada. 
Em segundo lugar, um homem pobre é aquele que nada sabe. Nós dissemos por vezes, que o homem deveria viver como se ele não vivesse nem para si próprio, nem para a verdade, nem para Deus. Mas agora nós dizemo-lo de um modo diferente, e iremos mais longe, dizendo que o homem que deve ter esta pobreza deve viver de tal forma que nem sequer ele sabe que não vive para si mesmo, nem para a verdade ou para Deus. Melhor, ele deve estar de tal forma desprendido de todo o conhecimento, que ele não sabe, nem reconhece, nem sente que Deus vive nele. Mais ainda, ele deve estar desprendido de todo o conhecimento que viva nele, pois quando o homem se encontrava na essência eterna de Deus, nada mais vivia nele para além do ser eterno de Deus, e o que vivia nele era ele mesmo. Nós dizemos portanto que o homem deve estar tão desprendido do seu próprio saber, tal como ele estava quando ele ainda não existia e que deve deixar Deus operar aquilo que Deus quiser, permanecendo desprendido.
Tudo o que veio alguma vez de Deus tem por fim uma actividade pura, mas a actividade própria do homem é a de amar e de conhecer. Ora a questão coloca-se em saber no que consiste principalmente a beatitude. Certos mestres disseram que ela reside no amor, outros dizem que ela reside no conhecimento, outros dizem que ela reside no conhecimento e no amor, e estes dizem melhor e mais acertadamente. Mas nós dizemos que ela não reside nem no conhecimento nem no amor, mas antes que existe na alma algo do qual fluem o conhecimento e o amor; esse algo não conhece nem ama, como as outras potências da alma. Quem conhece este algo sabe onde se situa a beatitude. Ele não tem nem antes nem depois, não espera que nada lhe aconteça, porque não pode nem ganhar nem perder. É por isso que esse algo também está privado de saber que Deus age nele, mas antes: esse algo desfruta ele próprio de si próprio, como Deus o faz e segundo o seu modo.
Nós dizemos portanto que o homem deve estar quite e desprendido de Deus, de tal forma que ele não saiba nem conheça a acção de Deus nele, sendo assim que o homem pode possuir a pobreza.
Os mestres dizem que Deus é um ser, um ser dotado de intelecto que conhece todas as coisas. Mas eu digo: Deus não é um ser, nem um ser intelectual, nem conhece isto ou aquilo. Assim portanto, Deus está liberto de todas as coisas, e é precisamente por isso que Ele é todas as coisas. Quem for pobre em espírito, deve ser pobre de todo o seu saber próprio, de forma que ele não saiba nada de nenhuma coisa, nem de Deus, nem da criatura, nem de si próprio. Por isso é necessário que o homem deseje nada saber nem conhecer das obras de Deus. Desta maneira o homem consegue ser pobre no seu próprio saber. 
Em terceiro lugar, é pobre o homem que nada tem. Muitas pessoas disseram que a perfeição consiste em não se possuir nada de bens materiais, e isso é bem verdade no sentido de alguém que o faz voluntariamente. Mas esse não é o sentido a que me refiro.
Eu disse previamente que é um homem pobre aquele que nem sequer quer realizar a vontade de Deus, mas que vive de tal forma, que está liberto quer da sua vontade própria quer da vontade de Deus, tal como ele era quando ele ainda não era. Dizemos nós dessa pobreza que é a pobreza suprema. Em segundo lugar nós dissemos que um homem pobre é aquele que não sabe nada das obras que Deus opera nele. Aquele que está assim desprendido do saber e do conhecer, tanto quanto Deus está liberto de todas as coisas, essa é a mais pura pobreza. Mas a terceira pobreza, da qual nós queremos falar agora, é a pobreza extrema: a do homem que nada tem.
Prestem muita atenção neste ponto! Eu disse frequentemente, e os grandes mestres disseram-no também, que o ser humano deve estar liberto de todas as coisas e de todas as obras, interiores e exteriores, de tal forma que ele possa ser um lugar próprio de Deus, onde Deus possa operar. Mas agora dizemo-lo de modo diferente. Se o homem estiver desprendido de todas as coisas, de todas as criaturas, dele mesmo e de Deus, mas se a sua situação for ainda de modo que Deus ache nele um lugar para operar, nós dizemos: enquanto isso existir no homem, o homem não é ainda pobre na mais genuína pobreza. Porque, nas suas operações, Deus não visa um lugar no homem, onde Ele possa operar: a pobreza em espírito, é que o ser humano esteja de tal forma desprendido de Deus, e de todas as suas obras, que Deus, se Ele quer operar na alma, seja Ele próprio o lugar onde Ele quer operar, e isso, Ele o faz de boa vontade. Porque, quando Ele encontra o homem assim tão pobre, Deus opera a sua própria obra, e o homem acolhe assim Deus nele, e Deus é o lugar próprio das suas obras, pelo facto de que Deus opera em si próprio. O homem é um puro sofredor de Deus nas suas obras, perante o facto de que Deus opera em si mesmo. Aqui, nesta pobreza, o homem reencontra o ser eterno que ele antes foi, que ele é agora, e que ele permanecerá eternamente. 
São Paulo disse: «Tudo o que eu sou, eu sou-o pela graça de Deus». Ora este meu discurso parece situar-se acima da graça, e acima do ser, e acima do conhecimento, e acima da vontade, e acima de todo o desejo, como então é que as palavras de São Paulo podem ser verdadeiras? Sobre isto responder-se-á que as palavras de São Paulo são verdadeiras. Era necessário que a graça de Deus estivesse nele, porque o que a graça operou nele, foi que o que era causalidade se tornasse essencialidade. Quando a graça terminou a sua obra, Paulo permaneceu aquilo que ele era antes.
Nós dizemos, portanto, que o homem deve ser tão pobre, que ele não seja nem tenha nele qualquer lugar onde Deus possa operar. Enquanto ele conservar um lugar, ele conservará ainda a distinção. É por causa disso que eu peço a Deus que Ele me liberte de Deus, porque o meu ser essencial está acima de Deus, enquanto nós apreendemos Deus como começo das criaturas. Neste ser de Deus, onde Deus está acima de todo o ser e acima de toda a distinção, eu era eu próprio, aí eu queria-me a mim próprio e conhecia-me a mim próprio, para fazer este homem que eu sou. É por isso que eu sou a causa de mim mesmo segundo o meu ser, que é eterno, mas não segundo o meu devir, que é temporal. É por isso que eu sou incriado, e segundo o modo da minha incriação eu nunca posso morrer. Segundo o modo da minha incriação eu existi eternamente, e eu sou agora, e ficarei eterno para sempre. Aquilo que eu sou segundo o meu nascimento, deve morrer e ser aniquilado, porque é mortal, e é por isso que isso se deve corromper com o tempo. No meu eterno nascimento, todas as coisas nasceram, e eu fui a causa de mim mesmo, e de todas as coisas. E se eu o tivesse querido eu não existiria, e todas as coisas não existiriam; mas se eu não fosse, Deus também não seria. Que Deus seja Deus, eu sou uma causa; se eu não existisse, Deus não seria Deus. Não é necessário saber isso. 
Um grande mestre disse que o seu manifestar-se é mais nobre que o seu fluir, e é verdade. Quando eu fluí de Deus, todas as coisas disseram: Deus é. Mas isso não me pode transformar num bem-aventurado, porque devido a isso eu me reconheço como sendo uma criatura. Mas, pelo contrário, no manifestar-me, onde eu me encontro desprendido da minha própria vontade e da vontade de Deus, e de todas as suas obras e de Deus Ele próprio, eu sou acima de todas as criaturas e não sou nem Deus nem criatura, mas antes eu sou aquilo que eu era, e o que eu devo permanecer agora, e sempre. Aí, eu recebo uma elevação que me deverá levar mais alto do que todos os anjos. Nesta elevação eu recebo um reino tão grande, que Deus não me poderá ser suficiente segundo tudo o que Ele é enquanto Deus, nem com todas as suas obras divinas. Com efeito, o dom que eu recebo neste manifestar-me, é que eu e Deus somos um. Então, eu sou aquilo que eu era, e aí eu não cresço nem diminuo, porque eu sou uma causa imóvel, que move todas as coisas. Aqui Deus não encontra mais qualquer lugar no homem, porque com esta pobreza o homem conquista aquilo que ele foi eternamente e aquilo que ele permanecerá para sempre. Aqui Deus é um com o espírito, e é esta a suprema pobreza que se pode encontrar. 
Os que não compreenderem este sermão não se devem afligir. Enquanto o homem não se assemelhar a esta verdade, ele não pode compreender este sermão. Porque esta é uma verdade sem véu, que saiu diretamente do coração de Deus.
Que Deus nos ajude a fim de que nós possamos viver para a encontrar e nela viver eternamente. Amén. 




III – COMENTÁRIO

Este Sermão é um dos mais importantes e mais conhecidos de Mestre Eckhart, que entrou para os Dominicanos com apenas 17 anos. Terá sido proferido um ano antes da sua morte na cidade de Colónia.
A sua influência posterior em filósofos, teólogos e místicos é incomum. No fundo, trata-se de um sermão religioso, mas que aborda temas teológicos e filosóficos. Na filosofia terá influenciado Nicolau de Cusa e Hegel, e na mística, entre outros, Julian de Norwich, Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz.
Hoje é reconhecido como um dos mais importantes representantes do misticismo cristão.

***

- A beatitude abriu a sua boca de sabedoria e disse: «Bem-aventurados são os pobres em espírito porque deles é o reino dos céus».

Deus que é a suprema beatitude disse: “Beati pauperes spiritu, quia ipsorum est regnum coelorum”, ou seja, “bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus”.
Pelas palavras de Jesus é a sabedoria eterna do Pai que nos fala. E esta é uma Verdade desvelada que Eckhart assevera que lhe foi comunicada pelo coração de Deus – como veremos infra.

As Bem-aventuranças são o tema central dos ensinamentos de Jesus. Por elas, pretendeu revelar à humanidade a verdadeira felicidade.
A pregação no Sermão da Montanha aponta aos homens o caminho da paz e da beatitude. No entanto, tudo o que no mundo se tem praticado é contrário às mesmas. Não precisamos de falar disso. 
Ver Mateus 5: 
“Ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo:
Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu.
Felizes os que choram, porque serão consolados.
Felizes os mansos, porque possuirão a terra.
Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Felizes os puros de coração, porque verão a Deus.
Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.
Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu.”

De que serve o apego ao mundo com as suas riquezas, poder e honrarias, aos bens materiais e às criaturas, se com esse apego deitamos Tudo a perder?
Os pobres em espírito são os que estão libertos de tudo, os que nada querem e nada buscam. São como a taça vazia que não espera, mas tem espaço para ser preenchido.

Mas o que é o Reino dos Céus?
Iremos compreendê-lo melhor conforme formos avançando na leitura do sermão.
Numa primeira abordagem, ainda que imperfeita, podemos dizer que o Reino do Céus é o estado em que a alma está em Deus e Deus nela.
O Reino dos Céus está dentro de nós. Já está aqui e agora, na pobreza em espírito que decorre da ausência do querer, do saber e do ter. Assemelha-se ao espaço infinito e perfeito a que nada falta e que tudo contém do Budismo Zen e ao vazio do Taoísmo.

***

- Todos os anjos e todos os santos, e tudo o que alguma vez nasceu deverão fazer silêncio, quando a sabedoria eterna do Pai fala, porque toda a sabedoria dos anjos e de todas as criaturas, é uma pura loucura, um puro nada face à sabedoria insondável de Deus. Sabedoria que disse serem os pobres bem-aventurados.

A sabedoria de Deus é insondável. É uma constante filosófica e teológica a afirmação da incognoscibilidade de Deus e dos seus desígnios. Deste modo, as teodiceias podem argumentar contra os que durante séculos têm vindo a “matar” um Deus que permite a existência do mal e das iniquidades perpetradas pelos homens ao longo dos séculos. Desconhecendo a sua sabedoria, a sua Verdade, não é exequível apartar o mal do bem, porque como dizem, no fim tudo estará bem.
A sabedoria de Deus é incompreensível. Esta afirmação é a mesma e provavelmente será a mesma para todo o sempre. Somos um puro nada perante Deus e a nossa sabedoria não passa de mera loucura.
Por tal motivo devemos silenciar quando com ela confrontados, tal como o fez Mahakashyap na história que resume na sua essência o Budismo Zen.

Conta-se que Buda terá um dia mostrado aos seus discípulos uma flor extremamente bela, pedindo-lhes que dissessem algo a seu respeito.
Depois de a observarem em silêncio durante alguns minutos, um dissertou longamente sobre a sua beleza, comparando-a à Criação, outro compôs um poema e o terceiro uma parábola, cada um mais preocupado em agradar pela eloquência do que propriamente pela satisfação contemplativa.
Mahakashyap olhou-a, sorriu e não disse nada.
Apenas este a viu.

A pobreza esteve sempre em discussão na cristandade da Idade Média, como imitação da pobreza voluntária de Cristo.
O autor do sermão vai fazer uma distinção fundamental entre duas formas de pobreza. A exterior e a interior. A segunda muito mais difícil de alcançar do que a primeira. Mesmo assim, a história evangélica do homem rico (Mc 10 – 17) ilustra o embaraço de abraçar voluntariamente a pobreza exterior:
No seu caminho, alguém correu para perto de Jesus e de joelhos perguntou-Lhe: “Bom Mestre, que farei para receber a vida eterna?”
Jesus respondeu: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão Deus.
Tu conheces os mandamentos: Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunhos, não defraudes ninguém, honra teu pai e tua mãe”.
Então ele replicou: “Mestre, tenho guardado tudo o que dizes desde a minha juventude”. 
Jesus olhou-o com amor e disse: “Uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”.
Ele, porém, entristecido com essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens. 

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- Existem duas espécies de pobreza. Uma é a pobreza exterior, que é boa e é muito louvável no ser humano que a pratica voluntariamente por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, porque Ele mesmo a praticou sobre a terra. Desta pobreza, por agora, não falarei mais. No entanto, existe ainda uma outra pobreza, uma pobreza interior, que pode ser entendida nas palavras de Nosso Senhor quando Ele diz: «Bem-aventurados são os pobres em espírito.»

Eckhart distingue a pobreza exterior da interior. A exterior é a que é praticada por amor a Jesus, numa atitude de “imitação”, enquanto que a interior consiste na aniquilação da vontade da criatura. 
Como já referimos, a doutrina deste sermão reflecte uma profunda influência do livro “O Espelho das Almas Simples e Aniquiladas” da mística Marguerite Porete, queimada viva em 1310 por heresia. O espelho é uma contemplação que leva a que a alma se afunde no vórtice do enigma, à sua própria aniquilação e consequentemente à posse de Deus que preenche o nada da alma, como taça vazia preenchida – quando a taça está repleta de condicionamentos, juízos e conhecimentos obsoletos nada mais a pode ocupar.

Jesus escolheu a pobreza na sua vida terrena. A pobreza exterior é boa e louvável quando se determina por um acto voluntário daqueles que pretendem trilhar a sua vereda.
A pobreza exterior pode aplanar o caminho dos que pretendem uma vida santificada como o ilustra a seguinte história hindu:
Um jovem estava a ouvir as dissertações do Mestre, nas imediações da aldeia, à sombra de uma gigantesca figueira.
Tinha como único bem, uma pequena casa em mau estado de conservação que os seus pais lhe haviam deixado por morte.
Da aldeia chegou a correr um homem que o chamou, em virtude da mesma se encontrar em chamas. Ainda o jovem não se acercara da dita casa e já as labaredas a haviam consumido na íntegra, restando um punhado de escombros e cinzas.
Quando voltou, todos os outros discípulos se solidarizaram com a sua desgraça, abraçando-o e consolando-o.
Só o Mestre nada disse, o que os indignou por aparente ausência de compaixão.
Percebendo nos rostos e gestos a recriminação, disse o Mestre:
- Não se preocupem, assim aceitará com muito mais condescendência a inevitável morte.

No entanto, se um homem abandona todas as suas riquezas, todos os bens que possui, mas não se tiver abandonado a si mesmo, nada terá abandonado. Se se abandonar, embora continue rico, poderoso, íntegro, abandonou tudo ao abandonar-se. Aí será tão pobre em espírito quanto o pobre que o é, quer exterior quer interiormente. 
Lembramos aqui as palavras que podem ter sido proferidas por Buda aos seus discípulos:
“Considero a posição de reis e de governantes como a de grãos de poeira. Olho tesouros de ouro e pedrarias como tijolos e seixos. Encaro os vestidos da mais fina seda como andrajos esfarrapados. Vejo a miríade de mundos do universo como pequenas sementes de frutos, e o maior lago da Índia como uma gota de óleo no meu pé. Entendo que os ensinamentos do mundo são ilusões de mágicos. Distingo o mais elevado conceito de emancipação como um brocado dourado num sonho, e encaro o caminho sagrado dos iluminados como flores que aparecem nos nossos olhos. Vejo a meditação como um pilar de uma montanha, e o Nirvana como um pesadelo em pleno dia. Considero o juízo sobre o certo e o errado como a dança serpenteante de um dragão, e o nascer e desaparecer de crenças como os vestígios deixados pelas quatro estações.”

A pobreza interior é pois a dos pobres em espírito.
Um homem pobre em espírito não tem o querer de realizar a sua própria vontade; não tem sequer a vontade de satisfazer a vontade suprema de Deus.
Ao querer satisfazer a vontade de Deus, o homem não é verdadeiramente pobre, já que nada deveria desejar ou ambicionar, nem mesmo Deus. 
Nessa ânsia de Deus e da sua eterna presença n’Ele, está condicionado por uma mente repleta de ideias ancestrais, juízos subjectivos, medos psicológicos, contradições, conflitos e sofrimento.
Um tal homem não pode ser livre. E sem liberdade, sem desapego, Deus nunca operará na sua alma – veremos infra que Deus não deve encontrar no homem um lugar onde possa operar, operando antes em Si mesmo.

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- Peço-vos para que sejais deste modo pobres para que possais compreender este sermão. Digo-vos pela eterna verdade: se não vos vierdes a igualar a esta verdade, da qual iremos falar, então nunca me podereis perceber.

Este não é um sermão de fácil compreensão. Mestre Eckhart repete-o na parte final: “Os que não compreenderem este sermão não se devem afligir. Enquanto o homem não se assemelhar a esta verdade, ele não pode compreender este sermão.”
Também Marguerite no seu livro faz a mesma advertência, admitindo que muito poucos a entenderão. Em especial, podemos dizer que o Sin Sin Ming, poema do Budismo Zen, padece da mesma dificuldade interpretativa.

No Zen, no Vedanta, e em Eckhart ser pobre é estar desapossado de tudo.
O homem tem de evitar fazer escolhas, tem de se libertar da dualidade.
A mente do ser humano é extraordinariamente complexa e guarda em si não só a matéria recente que adquire no quotidiano, bem como uma enorme reserva de material inconsciente, consequência de memórias, recalcamentos, sublimações e substituições.
Não fazendo escolhas, libertando-nos do mundo fenomenal, a vontade deixa de exercer a sua influência. Sem uma vontade própria, nem a favor nem contra nada, o homem pobre diz sim ao que é.

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- Algumas pessoas perguntaram-me o que é a pobreza em si própria e o que é um homem pobre. Nós queremos responder a isso.
O bispo Alberto ensinou que um ser humano pobre é aquele que não encontra qualquer tipo de satisfação em nenhuma das coisas criadas por Deus, e isso está correcto. Mas nós iremos dizê-lo ainda melhor, e consideraremos a pobreza segundo um sentido ainda mais elevado: um homem pobre é aquele que não quer nada, que não sabe nada, e que não tem nada. Iremos falar destes três pontos, e peço-vos por amor de Deus que compreendam esta verdade, e que a compreendam se puderem; se a não compreenderem, não se desassosseguem, já que vos quero falar de uma tal verdade que poucas pessoas boas a poderão entender.

Eckhart cita Alberto Magno de quem foi aluno, e por quem foi influenciado, mas supera a sua definição de pobreza, levando-a tão longe quanto possível. Se em Alberto pobre é o homem que só encontra satisfação em Deus, Mestre Eckhart quer ir além.

Alberto Magno nasceu na Suábia em finais do século XII. Ingressou nos dominicanos e ensinou em vários conventos. Foi mestre de teologia em Paris, onde também teve como aluno S. Tomás de Aquino. Faleceu em 15 de Novembro de 1280.
Considera a obra de Aristóteles, a obra mais perfeita que a razão pode conceber.
A sua Suma de Teologia foi obra que ficou inacabada. Nela, intentou conciliar o aristotelismo com as concepções de Santo Agostinho, buscando uma relação de equilíbrio entre a revelação e a razão, na investigação da alma.
Procedeu a uma rigorosa separação entre filosofia e teologia, já que muitos, na sua opinião, pensando seguir um caminho, seguiam inadvertidamente o outro.
Deus revela-se aos filósofos através de uma iluminação com natureza geral – acessível a todos os homens –, e aos teólogos por uma iluminação superior, o que os faz intuir com precisão as coisas divinas.
Deus é eterno, livre para criar, precedendo o mundo, que deste modo não é eterno. A eternidade é a medida de Deus, enquanto o tempo é medida do mundo, criado que foi a partir do nada.
O homem, corpóreo – da mesma forma que corpóreas são todas as coisas sublunares –, difere dos outros seres pela existência da alma, entidade espiritual que não é atingida pela morte corporal.

Eckhart define um homem pobre aproximando-se da experiência mística vivenciada por Marguerite:
Pobre é o homem que nada quer, nada sabe e nada tem.
Em Marguerite a alma não tem querer, nem pode querer o querer de Deus. Alma que não tendo querer é a alma aniquilada.

***

- Em primeiro lugar nós dizemos que é pobre o homem que nada quer. Algumas pessoas não entendem bem este sentido; são as que se agarram ao seu eu subjectivo exercitando a penitência e exercícios exteriores, os quais julgam ser muito importantes. Que Deus tenha piedade delas por terem um tão débil conhecimento da verdade divina. Estas pessoas são tidas por santas com base na aparência exterior, mas interiormente são asnos, por não atingirem o autêntico sentido da verdade divina. Estas pessoas também dizem que um homem pobre é aquele que nada quer. Mas elas interpretam-no no sentido de que o homem deve viver sem nunca realizar em nada a sua própria vontade, e que deveria antes ambicionar a realização da muito amada vontade de Deus. Essas pessoas estão certas, porque a opinião delas é boa e nós as louvaremos. Que Deus na sua misericórdia lhes dê o reino dos céus. Mas eu asseguro, pela verdade divina, que estas pessoas não são verdadeiramente pessoas pobres, nem semelhantes a pessoas pobres. Elas são tidas em grande consideração aos olhos das multidões que não sabem nada de melhor. Mas eu digo que são asnos que não entendem nada da verdade divina. Elas podem alcançar o reino dos céus por via das suas boas intenções, mas da pobreza, da qual nós queremos agora falar, não sabem nada. 

Anotaremos infra, em preferível aperfeiçoamento, o raciocínio de Eckhart, que nos conduz à demonstração da existência da alma e da sua eternidade. 

Em primeiro lugar é pobre o homem que não quer nada. Este nada querer não se compadece com a ambição de querer realizar não a sua vontade mas a vontade de Deus. Esse desejo de cumprir a vontade de Deus já é uma ambição, um querer. Os que o querem, apesar de terem um comportamento louvável, não conseguem nem nunca irão conseguir atingir o autêntico sentido da verdade divina.

***

- Se me perguntassem agora o que é um homem pobre, que nada quer, eu responderia: todo o tempo em que o homem tem como sua vontade a de querer realizar a muito amada vontade de Deus, então um tal homem não possui a pobreza da qual nós queremos falar, porque este homem ainda tem uma vontade, pela qual ele quer satisfazer a vontade de Deus, e essa não é a verdadeira pobreza. Porque, se homem quiser ser verdadeiramente pobre, ele deve estar tão desprendido da sua vontade criada, como quando ele era, quando ainda não era. Porque eu digo-vos pela verdade eterna: enquanto tiverdes a vontade de realizar a vontade de Deus, e tiverdes uma ânsia de eternidade e de Deus, não sereis autenticamente pobres. Porque um homem só é pobre, quando nada quer e nada ambiciona.

Só os que renunciarem a querer realizar a vontade de Deus podem compreender em plenitude a pobreza em espírito de que nos fala Eckhart.
Querendo realizar a vontade de Deus e na ânsia da eternidade, o homem não é verdadeiramente pobre.
O homem encontrava-se antes do seu nascimento na essência eterna de Deus e nada vivia nele para além dele mesmo.  
Marguerite diz que é necessário que a alma esteja despojada de todas as coisas, estando sem ser, lá onde estava antes de o ser. 
Como insiste a mística, diz que a alma quando retorna à sua condição anterior à criação fica nua tal como era, nua como o próprio Deus. E esta alma que não tem querer é a alma aniquilada.
O homem verdadeiramente pobre é o que se desapossa da sua vontade criada, como quando ele era, quando ainda não era. Ele não quer nada e nada ambiciona, mesmo Deus, com o intuito de a Ele se unir.

Um clássico Koan Zen exprime a busca do estado da alma, que estava onde estava, antes de o ser, pela prática da meditação: 
Como eras antes dos teus pais te terem concebido?
Como eras antes da formação do embrião?
Para alguns Mestres esta é a suprema meditação Zen.

A não-acção do Vedanta e do Budismo Zen é também o acto de nada querer. O homem não deseja nem recusa. Com a vontade aniquilada recebe o que lhe é dado, caso “Ele” lho queira dar e do modo que quiser.

***

- Quando eu estava ainda na minha primeira causa, eu não tinha Deus, e eu era a causa de mim próprio. Eu não queria nada, eu não desejava nada, porque eu era um ser livre e conhecia-me a mim mesmo na fruição da verdade. Eu queria-me a mim mesmo e não queria nada mais; aquilo que eu queria, eu era-o, e aquilo que eu era, eu queria-o e aqui eu estava desprendido de Deus e de todas as coisas. Mas quando, pela minha livre vontade, eu saí e recebi o meu ser criado, então eu passei a ter um Deus, porque antes de as criaturas serem, Deus ainda não era Deus. Ele era, pelo contrário, aquilo que Ele era. Mas quando as criaturas nasceram e receberam o seu ser criado, Deus não era mais Deus em si próprio, passando a ser Deus nas criaturas. 

Quando Eckhart estava na sua primeira causa, ele não tinha Deus. Ele era de modo eterno uma criatura no próprio Deus. Essa a sua essência; a dele e a de Deus. Dizendo-o melhor e de forma mais correcta: ele e todas as criaturas são eternamente Deus em Deus, e não possuíram n’Ele nenhuma desigualdade essencial. Ele e as criaturas são a mesma vida, a mesma essência, o mesmo poder enquanto estão em Deus; elas são o mesmo Um, e nada de menos.
Ele existia eternamente antes da criação. E nessa existência ele não queria nem desejava nada. Estava despojado de todas as coisas e até de Deus.
Como todas as criaturas, pela sua essência, ele existia em Deus desde toda a eternidade. 
Mas Eckhart, por sua livre vontade saiu e recebeu o seu ser criado, passando então a ter um Deus, porque antes dele ser, Deus ainda não era Deus, mas apenas aquilo que Ele era. O mesmo ocorrendo com todas as criaturas.
Antes de receber o seu ser criado, a criatura tinha a sua essência que era a de Deus, mas não o tinha a Ele nem a nenhuma coisa. Depois, saindo de Deus, adquirindo o seu próprio ser – com uma substância e forma estabelecida - descobriu o seu criador ou Deus.

Antes do meu nascimento, eu era causa de mim mesmo. Eu estava com Ele na sua essência eterna e nada queria. Não tinha desejos ou apegos. Apenas queria o que eu era e imerso neste desprendimento absoluto eu não tinha Deus.
Mas houve um momento em que eu saí do seu seio e foi-me dado o meu ser criado por vontade própria. Aí passei a ter Deus que não tinha quando ainda não era criado. E como todos os seres criados passei a ter um Deus que é Deus em todas as criaturas, das maiores às mais pequenas, independentes dos nossos juízos de valor.

***

- Ora nós dizemos que Deus, enquanto Ele é Deus, não é o fim supremo da criatura, pois a mais pequena das criaturas tem um grau muito elevado de ser em Deus. E se fosse possível que uma mosca tivesse um intelecto, e fosse capaz de procurar intelectualmente o abismo eterno do ser divino de onde ela saiu, então nós diríamos que Deus, com tudo aquilo que ele é enquanto Deus, não poderia dar a esta mosca plenitude e satisfação. É por isso que nós pedimos a Deus para nos tornarmos desprendidos de Deus, e que alcancemos a verdade e a desfrutemos eternamente lá, onde os anjos mais elevados e a mosca e a alma são iguais, lá onde eu estava, onde eu queria aquilo que eu era, e era aquilo que eu queria. Nós dizemos portanto: se o homem deve ser pobre em vontade, então ele deverá querer e desejar tão pouco como ele queria e desejava quando ele ainda não era. Deste modo é pobre o homem que não quer nada. 

Eckhart pede a Deus que se torne desprendido de Deus e que alcance a verdade e a desfrute eternamente onde todas as criaturas, desde as mais sublimes e elevadas até às mais ínfimas são iguais.
No entanto, quando retornar ao que era e queria ser, acaba por pedir a Deus que alcance a verdade para dela usufruir eternamente; intenção que nasce da sua vontade de criatura.
Ao não querer nada, absolutamente nada, estará nas mãos de Deus fazer com que ele nada deseje como acontecia quando ele ainda o não era.

O abismo eterno do ser donde brotaram todas as criaturas é Ele, a divindade, que pelo nascimento dessas criaturas se torna o seu Deus.
Ele é o Um, o Todo, o múltiplo e as partes, numa terminologia muito utilizada no oriente, “as ondas e o oceano”. Ele não é isto nem aquilo, mas a Unidade onde anjos, alma e todas as criaturas são iguais.

***

- Em segundo lugar, um homem pobre é aquele que nada sabe. Nós dissemos por vezes, que o homem deveria viver como se ele não vivesse nem para si próprio, nem para a verdade, nem para Deus. Mas agora nós dizemo-lo de um modo diferente, e iremos mais longe, dizendo que o homem que deve ter esta pobreza deve viver de tal forma que nem sequer ele sabe que não vive para si mesmo, nem para a verdade ou para Deus. Melhor, ele deve estar de tal forma desprendido de todo o conhecimento, que ele não sabe, nem reconhece, nem sente que Deus vive nele. Mais ainda, ele deve estar desprendido de todo o conhecimento que viva nele, pois quando o homem se encontrava na essência eterna de Deus, nada mais vivia nele para além do ser eterno de Deus, e o que vivia nele era ele mesmo. Nós dizemos portanto que o homem deve estar tão desprendido do seu próprio saber, tal como ele estava quando ele ainda não existia e que deve deixar Deus operar aquilo que Deus quiser, permanecendo desprendido.

Em segundo lugar é pobre o ser humano que não sabe nada: Que não sabe que para ele próprio vive, que não sabe que vive para a verdade, nem para Deus. 
Está desapegado de todo o saber. E este desapego leva-o até às últimas consequências: não sabe, nem sente que Deus vive nele.
O homem pobre limita-se a viver o agora, sem procurar qualquer sentido ou porquê, por mais elevado que lhe possa parecer.
Nesta vacuidade Deus operará nele o que quiser e do modo que o quiser. Neste não-saber o homem vive na paz anterior à sua temporalidade – não sabe nada de si, das outras criaturas, da verdade, de Deus e do que Deus nele possa operar.

***

- Tudo o que veio alguma vez de Deus tem por fim uma actividade pura, mas a actividade própria do homem é a de amar e de conhecer. Ora a questão coloca-se em saber no que consiste principalmente a beatitude. Certos mestres disseram que ela reside no amor, outros dizem que ela reside no conhecimento, outros dizem que ela reside no conhecimento e no amor, e estes dizem melhor e mais acertadamente. Mas nós dizemos que ela não reside nem no conhecimento nem no amor, mas antes que existe na alma algo do qual fluem o conhecimento e o amor; esse algo não conhece nem ama, como as outras potências da alma. Quem conhece este algo sabe onde se situa a beatitude. Ele não tem nem antes nem depois, não espera que nada lhe aconteça, porque não pode nem ganhar nem perder. É por isso que esse algo também está privado de saber que Deus age nele, mas antes: esse algo desfruta ele próprio de si próprio, como Deus o faz e segundo o seu modo.
Nós dizemos portanto que o homem deve estar quite e desprendido de Deus, de tal forma que ele não saiba nem conheça a acção de Deus nele, sendo assim que o homem pode possuir a pobreza.
Os mestres dizem que Deus é um ser, um ser dotado de intelecto que conhece todas as coisas. Mas eu digo: Deus não é um ser, nem um ser intelectual, nem conhece isto ou aquilo. Assim portanto, Deus está liberto de todas as coisas, e é precisamente por isso que Ele é todas as coisas. Quem for pobre em espírito, deve ser pobre de todo o seu saber próprio, de forma que ele não saiba nada de nenhuma coisa, nem de Deus, nem da criatura, nem de si próprio. Por isso é necessário que o homem deseje nada saber nem conhecer das obras de Deus. Desta maneira o homem consegue ser pobre no seu próprio saber. 

Este “Algo” da alma será como um último reduto. “Algo” que é eterno. Que não escolhe, não se apega, não discrimina, não julga.
Nada espera e nada lhe pode ser acrescentado.
É a sede da beatitude. Sem passado, presente ou futuro.
Também não sabe quando Deus opera nele, se e como opera.
“Algo” que unido a Deus, frui de si mesmo, tal como Deus o faz numa beatitude única.

Como escreve a mística Marguerite, “alma e Deus tornam-se espelho um do outro”.

No Budismo Zen, a alma ou espírito quando está a favor ou contra seja aquilo que for, vive num conflito permanente. É uma alma doente enredada em desejos e aversões.
Quando o espírito se libertar da dualidade gerada pelos apegos e repulsões, quando já nada ambicionar, será a tigela vazia sujeita a uma vontade que não a sua.

Teólogos e filósofos afirmam ou especulam que Deus é um ser omnisciente.
Mas Deus não é um ser nem conhece todas as coisas. Deus está acima do ser.
Desprendido de todas as coisas Ele é todas as coisas.

O pobre em espírito não deve saber nada, de nenhuma coisa, nem de Deus, nem da criatura, nem de si próprio.
Nada sabendo de Deus pode dizer-se que é verdadeiramente pobre.

***

- Em terceiro lugar, é pobre o homem que nada tem. Muitas pessoas disseram que a perfeição consiste em não se possuir nada de bens materiais, e isso é bem verdade no sentido de alguém que o faz voluntariamente. Mas esse não é o sentido a que me refiro.

Em terceiro lugar, é pobre o homem que nada tem.
Já comentámos a questão relativa à posse de bens materiais: no mundo actual a mais terrível das misérias:
Ibrahim Ibn Adham foi um príncipe que renunciou ao seu reino. Dirigiu-se à Síria para levar uma vida de ascetismo, e começou a ganhar a sua vida como jardineiro.
Um dia, um homem que reconheceu a sua santidade tentou ofertar-lhe mil dinares.
- Não aceito nada de mendigos - disse.
- Mas eu sou rico - disse o doador.
- Queres ter mais do que já possuis?
- Claro que quero - disse o homem rico.
- Então, leva contigo o teu dinheiro, és o chefe dos mendigos. Direi mais: isto já não é mendicidade, é a mais terrível das misérias.

Mas Eckhart vai de novo mais além do sentido vulgar da expressão. Sempre mais além…

***

- Eu disse previamente que é um homem pobre aquele que nem sequer quer realizar a vontade de Deus, mas que vive de tal forma, que está liberto quer da sua vontade própria quer da vontade de Deus, tal como ele era quando ele ainda não era. Dizemos nós dessa pobreza que é a pobreza suprema. Em segundo lugar nós dissemos que um homem pobre é aquele que não sabe nada das obras que Deus opera nele. Aquele que está assim desprendido do saber e do conhecer, tanto quanto Deus está liberto de todas as coisas, essa é a mais pura pobreza. Mas a terceira pobreza, da qual nós queremos falar agora, é a pobreza extrema: a do homem que nada tem.

Eckhart vai falar-nos da pobreza extrema, depois de ter sintetizado o que vinha expondo no sermão.

***

- Prestem muita atenção neste ponto! Eu disse frequentemente, e os grandes mestres disseram-no também, que o ser humano deve estar liberto de todas as coisas e de todas as obras, interiores e exteriores, de tal forma que ele possa ser um lugar próprio de Deus, onde Deus possa operar. Mas agora dizemo-lo de modo diferente. Se o homem estiver desprendido de todas as coisas, de todas as criaturas, dele mesmo e de Deus, mas se a sua situação for ainda de modo que Deus ache nele um lugar para operar, nós dizemos: enquanto isso existir no homem, o homem não é ainda pobre na mais genuína pobreza. Porque, nas suas operações, Deus não visa um lugar no homem, onde ele possa operar: a pobreza em espírito, é que o ser humano esteja de tal forma desprendido de Deus, e de todas as suas obras, que Deus, se Ele quer operar na alma, seja Ele próprio o lugar onde Ele quer operar, e isso, Ele o faz de boa vontade. Porque, quando Ele encontra o homem assim tão pobre, Deus opera a sua própria obra, e o homem acolhe assim Deus nele, e Deus é o lugar próprio das suas obras, pelo facto de que Deus opera em si próprio. O homem é um puro sofredor de Deus nas suas obras, perante o facto de que Deus opera em si mesmo. Aqui, nesta pobreza, o homem reencontra o ser eterno que ele antes foi, que ele é agora, e que ele permanecerá eternamente. 

Aqui vamos encontrar o desapego supremo, o desapego no seu grau mais elevado. E Eckhart corrige o que ensinou em momentos anteriores – deixa de referir que o ser humano deve estar liberto de todas as coisas e de todas as obras, interiores e exteriores, de tal forma que ele possa ser um lugar próprio de Deus, onde Deus possa operar.
O homem pode estar desprendido de tudo em si e em Deus, como já anotámos em momentos anteriores, mas se estiver estabelecido num estado em que ainda lhe resta um lugar, por diminuto que seja, onde Deus possa operar, então não o podemos considerar genuinamente pobre.
Quando Deus quer operar na alma, é Ele o lugar onde Ele quer operar. E quando o faz na alma aniquilada, como refere Marguerite, o homem alcança novamente o ser eterno que foi, que é e que será por toda a eternidade. 
Eckhart vivencia definitivamente a Unidade.

***

- São Paulo disse: «Tudo o que eu sou, eu sou-o pela graça de Deus». Ora este meu discurso parece situar-se acima da graça, e acima do ser, e acima do conhecimento, e acima da vontade, e acima de todo o desejo, como então é que as palavras de São Paulo podem ser verdadeiras? Sobre isto responder-se-á que as palavras de São Paulo são verdadeiras. Era necessário que a graça de Deus estivesse nele, porque o que a graça operou nele, foi que o que era causalidade se tornasse essencialidade. Quando a graça terminou a sua obra, Paulo permaneceu aquilo que ele era antes.

Este parágrafo deve ser entendido à luz dos ensinamentos anteriores. Depois de Deus ter operado em Paulo, Paulo permaneceu o que era antes e o que seria para todo o sempre.

***

- Nós dizemos, portanto, que o homem deve ser tão pobre, que ele não seja nem tenha nele qualquer lugar onde Deus possa operar. Enquanto ele conservar um lugar, ele conservará ainda a distinção. É por causa disso que eu peço a Deus que Ele me liberte de Deus, porque o meu ser essencial está acima de Deus, enquanto nós apreendemos Deus como começo das criaturas. Neste ser de Deus, onde Deus está acima de todo o ser e acima de toda a distinção, eu era eu próprio, aí eu queria-me a mim próprio e conhecia-me a mim próprio, para fazer este homem que eu sou. É por isso que eu sou a causa de mim mesmo segundo o meu ser, que é eterno, mas não segundo o meu devir, que é temporal. É por isso que eu sou incriado, e segundo o modo da minha incriação eu nunca posso morrer. Segundo o modo da minha incriação eu existi eternamente, e eu sou agora, e ficarei eterno para sempre. Aquilo que eu sou segundo o meu nascimento, deve morrer e ser aniquilado, porque é mortal, é por isso que isso se deve corromper com o tempo. No meu eterno nascimento, todas as coisas nasceram, e eu fui a causa de mim mesmo, e de todas as coisas. E se eu o tivesse querido eu não existiria, e todas as coisas não existiriam; mas se eu não fosse, Deus também não seria. Que Deus seja Deus, eu sou uma causa; se eu não existisse, Deus não seria Deus. Não é necessário saber isso. 

Pede a Deus que Ele o liberte de Deus. Pede que o liberte da busca, da ambição de o ter, e de o sentir tal como criado e representado pelos homens. Ele não pode ser encontrado. Pode vir até nós, mas virá se quiser, quando quiser e do modo que quiser. De nada nos irão servir orações, penitências e esperanças compulsivas.
Mestre Eckhart queria-se e conhecia-se de modo a criar o homem que foi. Eckhart foi a sua própria causa, e pelo nascimento teve de morrer.
Mas o seu ser incriado nunca poderá morrer. Com ele nasceram todas as coisas na eternidade. Como qualquer outro ser ele foi, e em determinado momento temporal após o nascimento teve de morrer, mesmo sendo, e é eternamente. 
Nesta pobreza, quando Deus for Um com o espírito, o homem terá conquistado o reino da beatitude infinda, sendo o que antes era e permanecendo para todo o sempre na eternidade.
A alma estando despojada de todas as coisas e de todas as vontades, está sem ser, lá onde estava antes de o ser, transformando-se em Deus (Marguerite).
Segundo o Zen, quando o homem está no Um desaparece toda a ideia de dualidade. A vontade extingue-se naturalmente porque cessaram os opostos.

***

- Um grande mestre disse que o seu manifestar-se é mais nobre que o seu fluir, e é verdade. Quando eu fluí de Deus, todas as coisas disseram: Deus é. Mas isso não me pode transformar num bem-aventurado, porque devido a isso eu me reconheço como sendo uma criatura. Mas, pelo contrário, no manifestar-me, onde eu me encontro desprendido da minha própria vontade e da vontade de Deus, e de todas as suas obras e de Deus Ele próprio, eu sou acima de todas as criaturas e não sou nem Deus nem criatura, mas antes eu sou aquilo que eu era, e o que eu devo permanecer agora, e sempre. Aí, eu recebo uma elevação que me deverá levar mais alto do que todos os anjos. Nesta elevação eu recebo um reino tão grande, que Deus não me poderá ser suficiente segundo tudo o que Ele é enquanto Deus, nem com todas as suas obras divinas. Com efeito, o dom que eu recebo neste manifestar-me, é que eu e Deus somos um. Então, eu sou aquilo que eu era, e aí eu não cresço nem diminuo, porque eu sou uma causa imóvel, que move todas as coisas. Aqui Deus não encontra mais qualquer lugar no homem, porque com esta pobreza o homem conquista aquilo que ele foi eternamente e aquilo que ele permanecerá para sempre. Aqui Deus é um com o espírito, e é esta a suprema pobreza que se pode encontrar. 

Eckhart fala-nos de um mestre para quem o manifestar-se é mais nobre que o seu fluir.
Quando fluía de Deus, todas as coisas disseram: Deus é. Quando o ser abandona o Um, Deus passa a ser Deus e com isso a criatura não atinge a beatitude.
Mas quando o ser regressa ao Um, que também é o Algo da alma, esse ser não é mais criatura nem Deus. Está imerso na Unidade e acima de todas as coisas e do próprio Deus, que nele não encontra lugar de tão pobre que é.
Deus e Eckhart passaram a ser Um. Um de que tanto falam o Budismo Zen, o Taoísmo e o Vedanta.
Como já referimos e nas palavras de Marguerite, a alma e Deus tornam-se espelho um do outro.
E manifestando-se nessa Unidade, nessa pobreza suprema, conquista aquilo que foi eternamente e aquilo que permanecerá para sempre.

Interessante a história que narra a resposta de Chuang Tse a um discípulo:
- Mestre, que devo buscar para atingir a perfeição? A minha mente vagueia na escuridão dos infernos e não vislumbro luz ao fundo do túnel.
Chuang Tse respondeu:
- Não procures a fama. Não faças planos. Não te absorvas em actividades, não ambiciones. Não penses que sabes. Fica consciente de tudo o que é e vive no infinito. Vagueia onde não há caminho. Sê tudo o que o Céu te deu, mas age como se não tivesses recebido nada. Sê vazio, é tudo. A mente do homem perfeito é como um espelho. Não apanha nada. Não espera nada. Reflecte, mas não segura. Por isso, o homem perfeito pode agir sem esforço.

***

- Os que não compreenderem este sermão não se devem afligir. Enquanto o homem não se assemelhar a esta verdade, ele não pode compreender este sermão. Porque esta é uma verdade sem véu, que saiu diretamente do coração de Deus.

Mestre Eckhart volta a advertir que o sermão é de difícil compreensão, do mesmo modo que Marguerite advertiu os leitores das dificuldades com que se iriam deparar no entendimento do livro “O Espelho das Almas Aniquiladas”.

Numa disposição eminentemente mística, diz-nos o autor que a matéria do sermão é uma verdade que saiu directamente do coração de Deus.
Terá Eckhart atingido a libertação por via da Unidade?

Tenhamos em consideração, que Eckhart começa o sermão pregando que toda a sabedoria dos anjos e criaturas é um puro nada perante a insondável sabedoria de Deus.
Não obstante, desenvolvendo a ideia de “pobreza”, acaba por se transfigurar num conhecedor de Deus, o que lhe consente o acesso à verdade absoluta.
Em matérias tão complexas como as versadas no sermão, torna-se evidente que este só pode ser compreendido quando as inúmeras proposições paradoxais são criteriosamente verificadas e vivenciadas, tarefa que não é acessível e é passível de múltiplos erros de apreciação de quem, como nós, é um simples e ignorante peregrino na recta final da sua existência temporal. Que tais erros nos sejam perdoados.   

*** 

- Que Deus nos ajude a fim de que nós possamos viver para a encontrar e nela viver eternamente. Amén. 

***




A doutrina de Eckhart lembra-me uma pequena história oriental.

SUPERIOR A DEUS SÓ O “NADA”
No palácio real foi servido um faustoso banquete, sentando-se os convidados, segundo a tradição, em função da sua dignidade e classe social.
Enquanto aguardavam pelo rei, entrou um monge errante, vestido com uma velha túnica esfarrapada e um aspecto famélico, que os presentes julgaram ser um mendigo.
Este, sem sequer reparar nos olhares apreensivos dos convidados, sentou-se no lugar mais importante da mesa principal.
O primeiro-ministro, indignado, questionou-o:
- Porque é que te sentas aí? És porventura algum vizir?
O eremita respondeu:
- Sou muito superior a um vizir.
- És primeiro-ministro de algum reino?
- Sou muito superior a qualquer primeiro-ministro.
- És tu por acaso o rei?
- Sou superior a todos os reis.
Cada vez possuído de maior indignação, volveu o afrontado primeiro-ministro:
- Deves pensar que és Deus?
- Sou muito superior a Deus.
- Nada é superior a Deus - vociferou o alto dignatário.
O monge, com um ténue e discreto sorriso, disse:
- Agora já sabes quem eu sou. Esse nada sou eu!


CONCLUSÃO

Sinteticamente pode dizer-se que pobre é o homem que:

NADA QUER
O homem deve viver como se ele não vivesse:
- nem para si mesmo;
- nem para a verdade;
. nem para Deus.

NADA SABE
Deve viver de tal modo que nem ele sabe que não vive:
- para si mesmo;
- para a verdade;
- para Deus.

NADA TEM
O homem na sua extrema pobreza não pode aspirar a guardar em si mesmo um lugar onde Deus possa operar – mesmo que Deus queira operar na alma é sempre Ele próprio o lugar no qual Ele quer operar.


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Para os que pretendam aprofundar as matérias tratadas neste sermão de Mestre Eckhart aconselhamos:

Tratados e Sermões de Mestre Eckhart, Edições Paulinas, 2009.

O Espelho das Almas Simples e Aniquiladas e que permanecem somente na vontade e no desejo do Amor, Margaritte Porete, Editora Vozes, 2008.

Para o conhecimento do Budismo Zen:

SIN SIN MING – UM GUIA DO BUDISMO ZEN

HISTÓRIAS DE ESPIRITUALIDADE 
(Zen, Sufis, Nasrudin, Cristãs, Parábolas)



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SERMÃO DA POBREZA - MESTRE ECKHART

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